Sabe quando não pensamos em como atos simples do nosso cotidiano podem fazer uma diferença enorme em nossa vida se forem suprimidos? Sabe quando fazemos algo de forma quase mecânica, todos os dias, e nem nos damos conta em como tudo aquilo pode ser vital?
Então pense em quando você tem uma cólica abdominal, também conhecida como "dor de barriga", e precisa ir ao banheiro evacuar. Você para pra pensar "olha, uma cólica! Vou parar agora o que estou fazendo, vou ao banheiro, sentar no vaso tranquilamente, vou evacuar, me limpar, esguichar um desodorizador no ar, lavar as mãos e voltar ao que estava fazendo antes da cólica aparecer"? A maioria responderá que não, que isso é bem automático no cotidiano.
Agora vamos mudar a forma de pensar. Imagine as seguintes condições:
- Você precisou retirar parte do seu intestino e agora ele não termina no ânus, mas na sua barriga; (*)
- Você sente essa cólica abdominal mas não possui esfíncter anal (músculo que contrai no ânus e permite que você tenha tempo de encontrar um vaso sanitário para evacuar);
- Como você não possui mais o esfíncter anal, as fezes sairão pela sua barriga sem você poder controlar e esperar chegar até um banheiro;
- Para não se sujar, você precisa usar um dispositivo colado na sua barriga, junto ao pedaço do seu intestino que está exteriorizado ali;
- Esse dispositivo permite que as fezes fiquem condicionadas ali até você conseguir um banheiro para descartá-las;
- Enquanto você não consegue ir ao banheiro, esse dispositivo faz volume, enche de gases, e corre o risco de descolar da sua barriga;
- Ao chegar até o banheiro você precisa esvaziar o dispositivo, deixando que as fezes caiam no vaso sanitário, mas você precisa também lavar esse dispositivo, ao menos um pouco, e nem sempre banheiros públicos permitem essa higienização;
- Esse dispositivo, se não descolar por motivos diversos, costuma ficar bem aderido na sua barriga entre 3 a 5 dias, quando você precisa fazer a troca, descartando o usado;
- E esse dispositivo custa caro, e nem sempre o SUS fornece a quantidade necessária e o tipo ideal para a sua pele, fazendo com que você tenha gastos extras, além de algumas complicações dermatológicas.
Todos esses itens acima fazem parte da vida de uma pessoa ostomizada, que precisa esvaziar e limpar esse dispositivo várias vezes ao dia. E para melhor compreensão:
- O pedaço do intestino que foi exteriorizado na barriga chama-se "estoma".
- Quem tem um estoma abdominal, é um estomizado, ou ostomizado (as duas nomenclaturas são aceitas).
- O dispositivo colado na barriga é chamado de Bolsa de Ostomia.
- Sem a bolsa de ostomia, o ostomizado não teria vida social e nem pele saudável ao redor do estoma, pois as fezes são ácidas e deixariam essa pele machucada. Em várias ocasiões, com feridas doloridas.
Essa é a realidade do dia a dia de um ostomizado. Claro que várias particularidades foram suprimidas aqui, pois o objetivo é apenas mostrar que uma pessoa ostomizada passa por diversas dificuldades, mas uma pessoa ostomizada continua sendo uma pessoa. Uma pessoa com anseios, com dificuldades, com alegrias, com prazeres, com objetivos, com histórias, com tristezas, com esperanças. Uma pessoa ostomizada é uma pessoa normal, que mudou a forma de evacuar, e que, na maioria dos casos, foi o que possibilitou uma continuidade de vida dentro da vida que levava antes.
O ostomizado é enquadrado hoje como deficiente físico (Decreto 5.296/2004, artigo 5º) e isso é uma conquista que merece ser respeitada, pois o ostomizado ainda é alvo de chacotas e discriminação.
Hoje, 16 de novembro, é o Dia Nacional dos Ostomizados, assim definido pela Lei 11.506/2007. Hoje, como qualquer outro dia, é dia de celebrar a vida e a qualidade de vida gerada pela ostomia.
Seja solidário, seja companheiro, seja empático. Qualquer pessoa, seja você, alguém da sua família ou algum amigo pode precisar de uma ostomia amanhã. Em qualquer situação, ostomizado ou não, celebre junto aos outros a vida, sempre a vida.
Leca Castro - 16/11/18
(*) vários são os tipos de ostomia. Acima foi citado um tipo, o de desvio intestinal, apenas para ilustrar.
Sou Enfermeira, ostomizada definitiva desde 2006 e autora do livro "Registros de uma CROHNista. Este texto foi originalmente publicado em http://alemdii.org.br