05/09/2012


Vejo sombras, silhuetas, presságios. Realmente tudo obscureceu e não enxergo mais luzes onde antes existiam. Abro minhas mãos e as palmas agora possuem mais curvas do que antes, como se prenunciassem mais acontecimentos. E realmente acrescentei eventos que não haviam em minha vida anos antes de hoje. Viro minhas mãos e vejo dedos e peles enrugadas e secas. São marcas que nenhum creme conseguiria evitar. São rugas de experiências.

Volto então minha atenção ao meu rosto, procurando também por rugas e manchas da idade, mas elas me dizem mais que isso. Uma prega me faz lembrar a primeira vez que chorei convulsivamente, na quina das paredes do meu quarto, agachada com os joelhos de encontro ao peito enlaçados por meus braços. Foi o dia em que perdi meu primeiro e grande amor, e perdi para a ingrata da vida. Chorei tanto que senti nascer a ruga. Outra surgiu quando senti forte o grito de ódio do mundo em meus braços, costas e rosto. Não sei o que doeu mais em mim, se os hematomas que anunciavam dias difíceis, se a pouca idade em receber tais golpes ou se a decepção por ter acreditado tão cegamente em outra pessoa além de mim. E outras dobras do meu rosto contam outras histórias, tão marcantes quanto elas mesmas.

Daí chego em minhas costas, onde hoje existe um caroço abaixo do ombro esquerdo, cuja metade estufada tem o tamanho de uma maçã, cabendo certinho na minha mão em concha. Disseram-me que é um calo de tanto carregar a dor dos outros, mas não me importo. Sempre tive ombros capazes de suportar minhas dores, nunca as dividi com outro alguém. Achava que meu peso devia ser só meu e que os outros ainda não haviam descoberto que também eram capazes, por isso os ajudava. Não via mal algum em fazer isso, até o dia em que tal caroço surgiu. Acho mesmo que ele apareceu como um sinal de alerta do meu corpo querendo me dizer: "olha, vá devagar, seu e dos outros é demais para mim". Pergunte-me se consegui parar...

E de novo vejo as sombras e embaços. São meus olhos alertando que, com o tempo, a visão de tudo vai se modificando. O que vejo de um jeito no início vai mudando com o passar dos anos. E  íris e córneas iniciam seu processo de envelhecimento. Aparecem miopia e astigmatismo para dizer que as imagens que antes eram nítidas não conseguem mais transparecer tanta clareza. E realmente, as pessoas foram mudando, e as situações também. Hoje existem desfoques nunca antes vistos por mim, pela falta de perspicácia e nitidez perante mim mesma. E consigo ver melhor, apesar de tudo. Vejo em dobro as verdades a mim impostas, mesmo através das sombras. Mesmo através das lágrimas.

E o que mais me maltrata, além do rosto, das mãos, das costas e dos olhos, é meu cérebro. Formulo a teoria que quanto mais o faço trabalhar, mais ele vai se expandindo. E agora penso melhor sobre o que me acontece, dentro e fora desse corpo. A cabeça dói, às vezes, mas acho que é ele reclamando por mais espaço ao crânio, querendo crescer cada vez mais. Se ele comanda cada pedaço vivo meu, é a ele que me reverencio hoje. Meu rosto se alegra em saber que algo na velhice valeu a pena. As mãos agradecem a sabedoria de ser usada de maneira estendida, raramente se fecham agora. As costas se curvam um pouco mais para cumprimentar seu deus de massa cinzenta. Não é mais uma flexão de dor, mas um cumprimento. E os olhos refletem sabedoria. E pessoas dirão: "faltou falar do coração, órgão vital." Deixe o coração descansar. Por agora. Por hoje. Ou para sempre.

Leca Castro - 17/04/12


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